Figo da India
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Hoje de manhã foi dia de trabalho (pois, que novidade!), na minha área principal... projetos... o que eu adoro!
Na semana passada recebi um telefonema de um senhor a quem um topógrafo tinha dado o meu contacto. "Menina Alexandra...? Daqui fala Manuel dos Santos, quem me deu o seu contacto foi o Coelho...para você me ajudar (...)" disse o senhor de imediato. Nesse dia agendei visita à propriedade do senhor, que pretendia legalizar construções feitas ao longo da vida, ilegalmente. Bom, no dia de véspera liguei a adiar para sábado (hoje), justificando que me teria ligado um cliente emigrante, e que teria de ir embora naqueles dias, sendo necessário utilizar o agendamento dele para esse cliente... ao que o senhor Manuel me responde "eu também sou emigrante... eu também me vou embora..." e eu...Ups...engoli meio em seco, desarmada com a resposta. Mentalmente pensei... "mas eu estou a marcar um cliente urgente, desmarcando outro cliente também ele urgente?". Fração de segundos fiquei em silêncio, a pensar... e agora? como vou agendar o cliente urgente, se este me está a informar que também o é? Do outro lado o Sr Manuel disse "menina Alexandra, não faz mal, eu sábado ainda cá estou, e espero por si cá, não se preocupe"... resolvido, deu para agendar os 2 clientes.
Hoje era o dia. Ao volante, deito olho ao post it com as anotações/ orientações dadas pelo senhor até encontar a moradia com vedação verde e 2 palmeiras. Deu boas orientações, cheguei ao local sem ter dúvidas.
Saio do carro, um senhor de 76 anos (soube depois a sua idade) veio em minha direção. Andava a limpar folhas secas. Fui descendo o caminho em direção às traseiras da moradia... mas de olhos maravilhados na envolvente. Tanta vegetação linda, bem cuidada! Coisa maravilhosa! Não era um quintal de encher o olho a quem não liga a estas coisas, mas para mim, era a minha infância a passar à minha frente.
"Olhe, estas peras que já não via à tanto tempo... e aquilo é o quê? - é anona - e aquela? não conheço? e esta ?... " Tudo o tipo de fruta havia ali... pêssegos d evárias qualidades, figos vários, pêras daquelas que só me lembro de comer na infância, anonas, azeitonas, bananas, diospiro (que não colhecia a flor, achei linda)... e um cato, cheio de figos, e flores que nunca tinha visto (foto abaixo). Vim maravilhada daquela pequena quinta.
"Então, o senhor quer legalizar e depois?".... pergunto eu na expetativa de perceber porque razão um senhor desta idade queria legalizar anexos de uma moradia, ao que ele responde "olhe, vou pôr tudo legal, e depois vender... não era essa a intenção, mas quem poderia ficar com isto já cá não está... era o meu filho que morreu com 41 anos...". É nestas alturas em que me apetecia rebobinar o tempo e não ter feito a pergunta. Mas continuou, sem que eu dissesse uma única palavra (não sabia que dizer, não sabia nada, se tinha sido à muito tempo ou recentemente, mas claro que não ia perguntar...queria que o assunto desaparecesse como que por magia)..."sabe, tenho outro filho, mas é alemão, nasceu lá, não tem ligação com Portugal, só vem cá porque estamos cá..., por isso quero vender esta casa que é muito grande para mim, e comprar outra pequena".
Sentámos na churrasqueira, ver documentos, projetos, falar de custos, de métodos...explicar como se desenvolve todo o processo de uma legalização. No meio dos papeis, surge sempre uma história, daquelas que só as pessoas que chegam a esta idade têm para nos "deixar"... e se eu as gosto de as "receber"!!! Adoro ouvir estas pessoas que contam histórias de vida. Como adoro! Já ganhei o dia.
Deixo aqui a única foto que tirei, de cerca de 300 espécies ou mais. É um cato enorme, com cerca de 3m, cheio de figos da india e flores, que nunca tinha visto de perto tamanha dimensão.